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Publicado em: 03/02/2008

Música para saxofone e piano

Por Celso Mojola

Música para saxofone e piano, CD que lancei em dezembro de 2007, é meu primeiro álbum "autoral", ou seja, inteiramente dedicado a minhas composições. Nele participo também como pianista em duo com o saxofonista César Albino, músico com quem trabalho há mais dez anos. Albino é o responsável por inúmeras estréias de minhas peças e devido ao tempo que tocamos juntos ele vem se tornando um dos meus melhores intérpretes.  
 
Para este registro foi selecionado um repertório de obras para piano e saxofone, piano solo e saxofone solo, o que é apenas uma parte de minha produção artística. Mas é uma parte significativa, cobrindo meus primeiros vinte e cinco anos como compositor.  
 
Comentários sobre as obras incluídas no CD
 
 
Música para saxofone e piano (2006), para saxofone soprano e piano. Uma das minhas peças mais recentes, introduz o ambiente que perpassa todo o CD e apresenta o tipo de sonoridade que marca minha fase artística mais atual.  
 
Prelúdios n° 2, 5 e 11, para piano solo. Selecionados de um total de doze prelúdios que escrevi ao longo de 2000, o conjunto completo emprega variadas técnicas, desde o tonal até o dodecafônico. Os três prelúdios incluídos no CD formam o núcleo dos tonais: o 2 tem uma forte presença da Bossa Nova, o 5 traz influência do Jazz e o 11 recria o ambiente do Classicismo beethoveniano.  
 
As quatro estações (2006) para saxofone contralto e piano foram compostas por ocasião da gravação do CD. Na verdade são peças criadas para "comemorar" a passagem do meu jubileu de prata – vinte e cinco anos de dedicação integral à música contemporânea, fato ocorrido em setembro de 2006. Como o momento era de alegria busquei compor uma música que transmitisse uma mensagem positiva aos ouvintes, embora se encontre presente a tradicional melancolia característica de minhas composições. Espero que um dia essas peças façam tanto sucesso quanto as homônimas de Vivaldi e Piazzola...  
 
Sem título (1991) é para piano solo. Pertence a uma fase mais inicial de minha carreira e é uma de minhas composições mais pessoais. Criando um ambiente harmônico atonal, a peça faz uso de diversos recursos timbrísticos do instrumento e combina uma variedade grande de elementos diferentes. O título recupera uma tradicional denominação de pinturas abstratas, e aqui é usado com dupla função: estabelecer um relacionamento com o universo criativo das artes plásticas, fato que ganha cada vez maior importância na minha poética, e enfatizar a natureza abstrata e atonal dessa peça.  
 
Orfeu e os sortilégios (1993) é uma exceção no CD por dois motivos. Primeiro por ser uma peça eletroacústica, minha única experiência no gênero; segundo porque, ao contrário das outras faixas, todas gravadas em 2006, esta foi produzida em 1993 no CEM Studio em Arnhem, Holanda, como resultado de um prêmio obtido em um concurso de composição. Por estar inédita e trazer uma importante participação de piano, executado por mim mesmo, enquadrava-se no conceito geral do CD e nele foi incluído. A obra combina características da forma concerto com poema sinfônico (dois modelos bastante utilizados na música do século 19): não deixa de ser uma espécie de concerto para piano solista e produção eletroacústica (que neste caso atua como a orquestra nos concertos tradicionais) ao mesmo tempo em que narra musicalmente episódios da vida de Orfeu, o personagem da mitologia grega mais ligado à música.  
 
A obra estrutura-se em três grandes partes que se sucedem sem interrupção, intercaladas apenas por breves interlúdios puramente eletroacústicos. Na parte I narra-se as viagens de Orfeu com os Argonautas, a capacidade que possuía de encantar feras e intempéries com sua música e até mesmo de se sobrepujar às Sereias; na parte II ocorre o mais famoso episódio de sua vida: a descida ao Inferno para salvar sua amada Eurídice, enfrentando monstros horríssonos. Apesar de seus esforços seu objetivo não é bem sucedido. A parte III é a conclusão da história: vivendo solitário e deprimido com a morte de Eurídice, Orfeu acaba destroçado pelas Bacantes e seu corpo fragmentado é jogado ao rio. Mas sua presença se faz existir até hoje – o que é simbolicamente representado pelas últimas notas do piano.  
 
Dois outubros (1983/2003) é o resultado de um interessante projeto composicional. Outubro foi composto em 1983 para flauta e piano, e nessa versão foi executado inúmeras vezes. Quando iniciei meu trabalho com o César Albino ele observou que a peça ficaria muito boa também para saxofone soprano e passamos a interpretá-la dessa maneira. A partir dessa experiência resolvi reescrever a mesma peça vinte anos depois, acrescentando novos elementos, mas mantendo-me fiel ao que já existia. Surgiu Outubro vinte anos depois que, tocado com a versão original, forma um conjunto bastante harmonioso.  
 
Dança diacromática (1982) é a peça mais antiga do CD, e é também minha primeira composição para piano. Está organizada como uma invenção a duas vozes, na qual a voz superior é diatônica (quase pentatônica) e a voz inferior é cromática (quase serial). "Diacromática" foi um neologismo por mim inventado para ilustrar essa curiosa simbiose, que resulta em um terceiro elemento. É importante destacar que, observando o desenvolvimento de minha carreira como compositor por esses anos todos, percebo que a combinação entre o material diatônico e o material cromático tem sido uma constante, e vem se manifestando de inúmeras maneiras desde esta longínqua Dança. Isso é tão verdadeiro que posso até afirmar que praticamente todas as minhas composições são "diacromáticas".  
 
Chacona (2002), para saxofone soprano solo, é bastante representativa da minha linguagem musical atual. Aqui o desafio foi empregar uma forma predominantemente harmônica como a chacona em uma obra para instrumento melódico solo, que no seu uso normal não produz duas ou mais notas simultâneas. O modelo no caso foi a Chacona de Bach para violino solo, umas das peças mais impactantes que conheço. Chacona é uma peça que utiliza o saxofone no limite dos seus recursos, o que exigiu grande dedicação por parte do César Albino. Os esforços foram amplamente recompensados pelo excelente desempenho do músico, como poderá ser constatado no CD.  
 
Outono bis é um "bônus track": outra versão de Outono, movimento I da suíte As quatro estações já comentada anteriormente, agora apresentada em piano solo.  
 
Das páginas de um diário (1997), para saxofone contralto e piano, marca o início do meu trabalho com o César Albino. A peça foi escrita por sua solicitação para o recital de conclusão de seu Bacharelado em Saxofone, e estreada em dezembro daquele mesmo ano. Albino demonstrava particular interesse por peças que apresentassem uma proposta alternativa para o saxofone, fugindo um pouco dos dois maiores paradigmas do instrumento: os românticos franceses e o jazz. Essas idéias sedimentaram o caminho para o nosso duo (que acabou sendo criado em 2001) e foram estímulo para uma constante produção de novas obras. Organizada em cinco movimentos, Diário traça um curioso caminho harmônico passando pelo atonal homofônico, o tonal contemporâneo, o tonal tradicional, o tonal jazzístico e o atonal polifônico.  
 
Berceuse para tempos pós modernos (1989) é a peça com que tradicionalmente encerro meus recitais de piano solo: simples, delicada e íntima como deve ser uma canção de ninar. Mas ao mesmo tempo uma música marcante, que ressoa na mente do ouvinte por muito tempo (segundo os comentários do público...).  
 
Concluindo
 
 
Gravar este CD foi bastante interessante e enriquecedor. Penso que o objetivo proposto foi alcançado: produzir música que soe "bem", seja "agradável", mas ao mesmo tempo expor de maneira íntegra as características de minha linguagem artística, com todas as aquisições conseguidas em duas décadas e meia de criação, pesquisa e ensino. A possibilidade de contar com a colaboração de um músico como o César Albino, envolvido com essa música desde há tanto tempo, ajudou bastante no resultado final. Pois uma das "lições" que aprendi em tantos anos de estrada foi a de que muitas vezes o intérprete, ainda que recheado de competência técnica, não está suficientemente em sintonia com a estética da peça, o que o impede de realizar uma execução mais aprofundada, que vá além de uma leitura imediata e superficial. Este fenômeno é comum no Brasil onde os músicos, em sua maioria, recebem uma formação voltada ao repertório tradicional dos concertos (os grandes "hits" dos séculos 18 e 19) e pouca afinidade demonstram com a música de seu tempo e de seus conterrâneos.  
 
Música para saxofone e piano é fruto dessas contingências e elas podem interessar a alguns. Mas meu maior objetivo é que as obras do CD sejam apreciadas pela sonoridade delas mesmas e pela capacidade que possuem (ou não) de trazer emoções ao ouvinte.

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